Por Jussara Rodriguês
Fotos: Marco Estrella
... é dando que se recebe ...
Lua cheia, 13 de setembro de 2011. Collaroy
Beach, Tasman Sea, Sydney, New South Wales, Austrália.
A prática de Yoga estava marcada para o final da
tarde, à beira do mar, entre a areia e a casa (do Quarteto Fantástico), no
gramado verde e macio. Minha ideia era conduzir uma aula para saudar a lua
cheia que ia surgir no horizonte, entre o céu e o mar da Tasmânia.
O piquenique para o pós-aula já estava montado numa
cesta: castanhas, frutas, sanduíches, salgadinhos, TimTam (biscoito recheado de
chocolate típico Australiano), sucos e vinhos. Confraternização entre amigos,
curtindo a aula de Yoga de uma mãe visitante professora, requisitada pela turma
a dar uma aulinha sempre que possível.
Para minha surpresa e delírio, além de visitar minha
filha querida e meu genro, também querido, eu compartilhava seus amigos
maravilhosos que me pediam o que mais eu queria fazer: Yoga, além de estar com
eles e visitar o país.
Cenário e personagens perfeitos! E ainda um dia
auspicioso conforme constatei ao consultar o calendário hindu.
Subha Shivaloka Day
O Panchangam é um calendário que faz parte da tradição
hindu, inicialmente transmitido de pai para filho, usado como uma ferramenta de
planejamento que oferece informações relativas ao tempo e às energias que atuam
em cada dia. Com esse conhecimento, é possível planejar as atividades de cada
dia para estar em sintonia com o universo e fluir melhor.
Analisando posteriormente o Panchangam do dia da aula
da lua cheia, seguindo as informações do Kadavul Hindu Calendar e relembrando as aulas que tive com meu professor
Anderson Allegro, constatei que a energia do dia estava regida pela constelação
chamada Utaraprostapada, favorecendo as ações que envolvem cuidar dos outros e
que busquem sabedoria, conhecimento, alegria e habilidade mental.
Este calendário considera 27 constelações além das 12
do zodíaco, formando um círculo maior que o da eclíptica em torno da terra e
dos planetas que passam por ela. Combina a energia de cada planeta com a
constelação, principalmente por onde a lua passa, já que é esse o planeta que
influencia as atividades do dia a dia, de acordo com o Panchamgam.
Nos dias de lua cheia (purnima) recomenda-se fazer oferendas. As oferendas da nossa aula
foram a atenção, o tempo e a prática dedicados àquele momento energético único.
Naquele dia, o calendário marcava um momento propício para iniciar coisas que
vão gerar resultados duradouros. Nossa amizade e cumplicidade naquele ritual
lunar estavam abençoadas! Subha Shivaloka Day é considerado auspicioso e
propicia uma conexão espiritual muito intensa entre o mundo físico e o dos
deuses, como se esses mundos estivessem separados apenas por uma malha fina e
transparente. Por essa interpretação, nesse dia os deuses podem inspirar as
pessoas espiritualizadas e através delas influenciar o mundo.
A aula: um ritual mágico
Mats no gramado, amigos, velas, luzes amareladas
vindas da rua, céu estrelado, ar ainda gelado de final de inverno... Vários suryas e chandras namaskaras (sequências de posturas da
saudação ao sol e à lua) foram nos aquecendo e fomos nos incorporando àquele
cenário, saudando à vida, honrando aquele momento divino, único, em contato com
a natureza, envolvidos pelo clima de amizade, conscientes dos nossos corpos e
de nossa respiração. Os movimentos foram fluindo em asanas que se encaixavam
perfeitamente, nos posicionavam no tempo, no espaço, no encantamento do
presente, alinhando nossos chakras para fluir o prana e promover a vitalidade
no corpo físico, sutil e etéreo.
Nenhum planejamento de aula era necessário. Ao
contrário, só cabia ali deixar fluir a intuição, a sensibilidade e não permitir
que a mente interferisse naquela conexão natural e total com o momento, com os
elementos, com as pessoas e suas energias. O desafio era deixar-se levar pelo
som mântrico das ondas do mar que batiam suavemente e se quebravam na areia,
numa cadência infinita, conduzindo o ritmo das nossas respirações (ujjayi), mantendo o contínuo pulsar dos
movimentos entre a terra e o firmamento.
Aos poucos, o céu no horizonte foi tingido de vermelho
e as águas do mar brilhantes como labaredas refletiam um caminho de luz
cintilante alaranjada. A luz da lua aumentando, escancarando, iluminando e
revelando a escuridão da noite.
Escandalizados com a beleza daquela visão no
horizonte, fomos nos sentando, embriagados por aquela luz que dava à lua o
brilho dourado típico do sol nascente. Era o nascer da noite! Parecia que em
algum momento os planetas, assim como o céu e o mar, se tornavam um só, e a cor
do sol passava pela luz da lua e nos iluminava ali na terra, nos tornando unos
com o universo.
A aula dos Maha
Bhutas, dos grandes elementos (terra,
água, fogo,ar e espaço) foi um presente da mãe natureza, que os contém e os
domina, e só coube à professora conduzir os alunos a se deixarem levar por
essas forças, sentindo-as e incorporando-as na forma dos asanas e das
respirações. O grande aprendizado foi reconhecer que “é dando que se recebe” e a oferenda da prática nos deu um momento
de aprendizado inarrável.
Quando o universo conspira a favor, e nós não
atrapalhamos, a vida acontece e flui, nos surpreende e nos faz felizes.
Jussara Rodrigues é paulistana,
jornalista desde 1978 e instrutora de Yoga
de corpo e alma desde 2003, quando se formou no Aruna Yoga em Hatha e
PowerYoga. Trabalha eventualmente como assessora de imprensa e em
reportagens que tenham relação com qualidade de vida e desenvolvimento do ser
humano de forma holística. Adora praticar Yoga com diversos
professores e conhecer estilos diferentes, no Brasil e em viagens pelo mundo.
Faz parte do conselho-diretor da Aliança do Yoga desde sua criação. Por sete
anos, deu aula em grandes academias de São Paulo e atualmente se dedica a alunos
particulares e pequenos grupos em seu estúdio Kedhara Yoga. Organiza retiros
anuais de Yoga em fazendas nas cidades paulistas de Cunha e Bragança Paulista.
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