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segunda-feira, 11 de abril de 2011

O fácil acesso à Tradição Védica na atualidade


Por Patrick Van Lammeren
 
A Tradição Védica nos ensina a respeito da verdade fundamental do eu, e apresenta um estilo de vida pelo qual é possível adquirir a harmonia e equilíbrio necessários para que aquela verdade possa ser compreendida claramente. 

Este estilo de vida é chamado Yoga e inclui todos os aspectos da vida. Asana e pranayama, ainda que sejam as disciplinas mais conhecidas, são apenas uma fatia do que é de fato Yoga. A Tradição Védica abrange muitas outras, como o canto de mantras, meditações e pujas, além de uma atitude frente a todas as situações da vida, agradáveis e desagradáveis. De fato, uma vida de Yoga não se restringe às horas semanais dedicadas às posturas, mas a todas as horas do dia, seja no trabalho ou em casa, com patrões, funcionários, pais, companheiros ou filhos.

Na medida em que se vive no estilo de vida de Yoga, obtém-se uma capacidade maior de observação da própria mente, um entendimento sobre si mesmo e sobre a própria vida. Inicialmente, Yoga tem como objetivo acelerar um processo que todos os seres eventualmente vivem: o questionamento a respeito de sua própria natureza.

Vivemos sempre buscando alcançar determinados objetivos e conquistar objetos, na certeza de que resolverão definitivamente nossas carências e angústias. A não satisfação do desejo nos leva a mais sofrimento, e a satisfação mostra-se insuficiente, ou por não suprir as expectativas que foram alimentadas ou por ser demasiadamente efêmera, o que nos leva a desejar novos objetos e situações. Em um dado momento, compreende-se que nenhum objeto pode verdadeiramente resolver as carências, e vislumbra-se este que é o problema fundamental de todos os seres: toda busca por objetos nada mais é que uma busca por completude e suficiência. Por detrás de todos os desejos, sempre havia este que era o maior de todos: o desejo por não mais sofrer, mas ver-se completo, livre de limitação. Este é um grande momento, uma vez que fica claro o que verdadeiramente se deseja. Sabendo qual o objetivo, pode-se buscar um meio apropriado para alcançá-lo. 

Todo o estilo de vida de Yoga tem como objetivo imediato esta maturidade, conduzindo a um questionamento a respeito de si mesmo. Para estes buscadores, chamados mumukshus, a Tradição Védica disponibiliza um meio de conhecimento, chamado vedanta, literalmente “o final dos Vedas”. Através do estudo adequado destes textos, com um professor qualificado, obtém-se moksha, a liberação da sensação de limitação. Tais escrituras evidenciam que a sensação de limitação se dá unicamente por causa de uma ignorância a respeito de si mesmo, e que verdadeiramente já somos completos e livres de limitação. Desta maneira, vedanta revela a natureza fundamental do Eu, pondo fim a todo o sofrimento definitivamente.

Tradicionalmente, é dito que este conhecimento é o maior segredo, não por ser mantido escondido das pessoas, mas porque trata de um assunto tão evidente, e ao mesmo tempo tão desconhecido: o Eu. Não há nada que seja tão íntimo quanto eu mesmo, mas ainda assim poucos são os que têm conhecimento claro a respeito dele. Este Eu é o maior dos segredos, por estar tão próximo de todas as pessoas, mas oculto devido à ignorância, “escondido na caverna do coração”, como dito tradicionalmente.

Mas de fato o estudo de vedanta nem sempre esteve tão acessível quanto atualmente. As escrituras eram passadas oralmente, sendo mantidas de geração a geração. Cada indivíduo aprendia a cantar uma parte dos Vedas, que era guardado por sua família, mas o significado não era inteiramente revelado. Para tanto, era necessário desejar entender claramente sobre si mesmo. Apenas quem verdadeiramente era um mumukshu tinha acesso ao significado das escrituras, e seria necessário que buscasse um professor qualificado para tal. Geralmente, só o encontraria em uma floresta, ou no alto do Himalaia.

Encontrar um professor qualificado não era tarefa fácil – assim como hoje. Contudo, após encontrá-lo era necessário mostrar que seu desejo pelo conhecimento era legítimo. O professor fazia muitos e muitos testes, para ver o quão comprometido o buscador estava. Finalmente, verificando que se tratava de um mumukshu de fato, o professor o aceitava como discípulo.

Assim era feito há até não muito tempo. Um dos casos mais próximos é a história do Swami Chinmayananda Saraswati, mestre do famoso Swami Dayananda Saraswati. Swami Chinmayananda, chamado Balakrishna Menon à época, era um jornalista comunista do sul da Índia que considerava o hinduísmo como o grande atraso da nação. De modo a ter argumentos mais consistentes para miná-lo, buscou pelo também famoso Swami Shivananda Saraswati, que ensinava sobre a Tradição Védica focando muito nas disciplinas de Yoga, mas sempre as conectando com o objetivo maior que era o autoconhecimento adquirido através do estudo de vedanta. Seu estudo se dava na cidade de Rishikesh, aos pés do Himalaia. Em pouco tempo, Balakrishna percebeu que tudo o que ele achava saber sobre o hinduísmo estava equivocado, e que de fato havia muita sabedoria em sua tradição natal. Seu desejo pelo conhecimento acendeu como fogo em contato com gasolina, e logo fez voto de renúncia, tornando-se Swami Chinmayananda Saraswati.

Apesar de todo o ensinamento passado por seu mestre, Swami Chinmayananda desejava estudar mais. Swami Shivananda sabia que nem todos estão prontos para escutar vedanta, já que nem mesmo havia o real interesse. Por este motivo, seu foco era ensinar as diversas disciplinas e orientar seus discípulos na direção do autoconhecimento, mas não oferecia os estudos mais profundos. Desta forma, ele orientou seu discípulo a procurar um grande professor de vedanta, chamado Swami Tapovan Maharaj. Tal mestre ensinava em Uttarkashi, uma vila no meio do Himalaia a 1.300 metros de altitude. Lá, Swami Chinmayananda teve acesso ao ensinamento das Upanishads e outros textos profundos, como Brahma Sutra, durante oito anos.

Ao final, seu desejo era divulgar este ensinamento a todos, e decidiu ensinar na planície. Swami Tapovan inicialmente foi contra, uma vez que aqueles que realmente desejam o conhecimento sempre alcançarão um bom professor, ainda que seja apenas no alto do Himalaia. Contudo, Swami Chinmayananda estava determinado, e tentou convencê-lo de que seria uma boa ideia. Seu mestre o alertava para o fato inevitável de que ninguém iria escutá-lo, mas após seu discípulo prometer que retornaria às montanhas caso suas tentativas falhassem, Swami Tapovan finalmente deu sua bênção, e Swami Chinmayananda iniciou suas aulas na planície. Além disso, ele decidiu que suas aulas seriam em inglês, permitindo que um público maior fosse contemplado, incluindo estrangeiros. Isto também era uma grande mudança, já que se desconfiava seriamente dos estrangeiros, e temia-se não apenas que eles não teriam o comprometimento necessário, como também que o ensinamento seria mal entendido. De fato, houve muitas traduções ocidentais das escrituras no século XIX, com erros graves de interpretação e segundas intenções por trás, e isto só aumentava a desconfiança. 

Como seu mestre havia dito, as primeiras tentativas de Swami Chinmayananda foram falhas. Em uma delas havia um único ouvinte durante todos os dias de aula e, após o fim do evento, descobriu-se que na realidade tratava-se do zelador do espaço, que não entendia uma palavra de inglês. Ainda assim, novas tentativas foram feitas, até que finalmente seus esforços deram resultado. Em pouco tempo, seus discípulos fundaram o chamado Chinmaya Mission, que até hoje ensina vedanta a inúmeros indianos e estrangeiros. Um dos mais ilustres alunos foi Swami Dayananda Saraswati, atualmente o maior nome em termos de vedanta e hinduísmo. Seus ashrams na Índia e EUA ensinam a milhares de pessoas desde a década de 70, sendo responsáveis por manter e divulgar a Tradição Védica por todo o mundo. Reconhecida pelo próprio Swami Dayananda como um de seus mais brilhantes discípulos, a professora Gloria Arieira estudou durante cinco anos em seu ashram na década de 70, trazendo este precioso conhecimento para o Brasil. Atualmente, através de sua instituição, o Vidya Mandir, milhares de pessoas são beneficiadas com o ensinamento tradicional de vedanta em português, aqui e no exterior. Nada disto seria possível caso Swami Chinmayananda não tivesse a audácia de ensinar vedanta nas planícies, em inglês, e para estrangeiros.

Claramente, a abertura do ensinamento foi uma grande bênção a todos nós, e Swami Chinmayananda não foi o único nem o primeiro a fazê-lo. Contudo, também há perigos nisto tudo. A ideia de se manter vedanta restrita garantia que apenas os mais qualificados e realmente comprometidos estudariam. O resultado é que o conhecimento seria rigorosamente preservado para todas as futuras gerações que verdadeiramente desejassem. A abertura do ensinamento, porém, aliada ao advento da internet, fez com que este assunto tão importante fosse tratado como mera filosofia por muitos, além de ser facilmente mal compreendido. Esta má compreensão se espalha rapidamente, e com isto é gerado o que se chama Andha-Parampara, ou seja, uma linha de sucessão mestre-discípulo que vai ao caminho contrário ao conhecimento.

Se antigamente era importante buscar um mestre qualificado, os dias atuais requerem mais que o dobro da atenção neste quesito. Mais que isto, faz-se fundamental entender que o ensinamento não é passado de forma escrita, mas oral. As escrituras nunca foram feitas para serem lidas – de fato apenas muito recentemente elas passaram a ser guardadas graficamente. O estudo de vedanta requer um professor, não apenas porque se trata de um conhecimento muito profundo, mas também porque é através dele que o significado das palavras é revelado. De fato, as escrituras foram feitas contando com um professor que as explicasse. O processo de ensinamento consiste não apenas em escutar as palavras, mas também em questioná-las, eliminando todas as dúvidas com o professor. Sem professor, o estudante irá fatalmente interpretar de sua própria cabeça, levando a conclusões equivocadas. 

Sem dúvida é uma grande bênção termos a Tradição Védica e o estilo de vida de Yoga à disposição para aqueles que buscam por ela. Os tempos são outros, com certeza, e a adaptação à atualidade beneficia a todos, além de ajudar a preservar uma tradição tão magnífica e profunda. Contudo, a preservação também se dá na medida em que se mantém a forma tradicional de estudo, ainda que adaptada à modernidade. Há de se tomar todos os cuidados, portanto, para não cair em um Andha-Parampara, tampouco em misturar conceitos de outras tradições, interpretar de sua própria cabeça ou tentar ensinar antes da hora. O apoio e a orientação de um professor qualificado se fazem fundamentais, e são, portanto, o maior de todos os desafios para quem deseja mergulhar no estilo de vida de Yoga. Contudo, para aqueles que têm as bênçãos de os encontrar, o conhecimento é só uma questão de tempo.

Patrick Van Lammeren é professor de vedanta, simbolismo védico e sânscrito, estudante de física pela UFF e estudante de vedanta desde 2004, além de fazer parte da equipe do Centro de Estudos Vidya Mandir, dirigido pela professora Gloria Arieira.


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