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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A Aula da Lua Cheia Vermelha



Por Jussara Rodriguês
Fotos: Marco Estrella
... é dando que se recebe ...

Lua cheia, 13 de setembro de 2011. Collaroy Beach, Tasman Sea, Sydney, New South Wales, Austrália.

A prática de Yoga estava marcada para o final da tarde, à beira do mar, entre a areia e a casa (do Quarteto Fantástico), no gramado verde e macio. Minha ideia era conduzir uma aula para saudar a lua cheia que ia surgir no horizonte, entre o céu e o mar da Tasmânia.

O piquenique para o pós-aula já estava montado numa cesta: castanhas, frutas, sanduíches, salgadinhos, TimTam (biscoito recheado de chocolate típico Australiano), sucos e vinhos. Confraternização entre amigos, curtindo a aula de Yoga de uma mãe visitante professora, requisitada pela turma a dar uma aulinha sempre que possível.
Para minha surpresa e delírio, além de visitar minha filha querida e meu genro, também querido, eu compartilhava seus amigos maravilhosos que me pediam o que mais eu queria fazer: Yoga, além de estar com eles e visitar o país.

Cenário e personagens perfeitos! E ainda um dia auspicioso conforme constatei ao consultar o calendário hindu.

Subha Shivaloka Day 

O Panchangam é um calendário que faz parte da tradição hindu, inicialmente transmitido de pai para filho, usado como uma ferramenta de planejamento que oferece informações relativas ao tempo e às energias que atuam em cada dia. Com esse conhecimento, é possível planejar as atividades de cada dia para estar em sintonia com o universo e fluir melhor.

Analisando posteriormente o Panchangam do dia da aula da lua cheia, seguindo as informações do Kadavul Hindu Calendar e relembrando as aulas que tive com meu professor Anderson Allegro, constatei que a energia do dia estava regida pela constelação chamada Utaraprostapada, favorecendo as ações que envolvem cuidar dos outros e que busquem sabedoria, conhecimento, alegria e habilidade mental.

Este calendário considera 27 constelações além das 12 do zodíaco, formando um círculo maior que o da eclíptica em torno da terra e dos planetas que passam por ela. Combina a energia de cada planeta com a constelação, principalmente por onde a lua passa, já que é esse o planeta que influencia as atividades do dia a dia, de acordo com o Panchamgam.

Nos dias de lua cheia (purnima) recomenda-se fazer oferendas. As oferendas da nossa aula foram a atenção, o tempo e a prática dedicados àquele momento energético único. Naquele dia, o calendário marcava um momento propício para iniciar coisas que vão gerar resultados duradouros. Nossa amizade e cumplicidade naquele ritual lunar estavam abençoadas! Subha Shivaloka Day é considerado auspicioso e propicia uma conexão espiritual muito intensa entre o mundo físico e o dos deuses, como se esses mundos estivessem separados apenas por uma malha fina e transparente. Por essa interpretação, nesse dia os deuses podem inspirar as pessoas espiritualizadas e através delas influenciar o mundo.

A aula: um ritual mágico
 
Mats no gramado, amigos, velas, luzes amareladas vindas da rua, céu estrelado, ar ainda gelado de final de inverno...  Vários suryas e chandras namaskaras (sequências de posturas da saudação ao sol e à lua) foram nos aquecendo e fomos nos incorporando àquele cenário, saudando à vida, honrando aquele momento divino, único, em contato com a natureza, envolvidos pelo clima de amizade, conscientes dos nossos corpos e de nossa respiração. Os movimentos foram fluindo em asanas que se encaixavam perfeitamente, nos posicionavam no tempo, no espaço, no encantamento do presente, alinhando nossos chakras para fluir o prana e promover a vitalidade no corpo físico, sutil e etéreo.

Nenhum planejamento de aula era necessário. Ao contrário, só cabia ali deixar fluir a intuição, a sensibilidade e não permitir que a mente interferisse naquela conexão natural e total com o momento, com os elementos, com as pessoas e suas energias. O desafio era deixar-se levar pelo som mântrico das ondas do mar que batiam suavemente e se quebravam na areia, numa cadência infinita, conduzindo o ritmo das nossas respirações (ujjayi), mantendo o contínuo pulsar dos movimentos entre a terra e o firmamento.
Aos poucos, o céu no horizonte foi tingido de vermelho e as águas do mar brilhantes como labaredas refletiam um caminho de luz cintilante alaranjada. A luz da lua aumentando, escancarando, iluminando e revelando a escuridão da noite.

Escandalizados com a beleza daquela visão no horizonte, fomos nos sentando, embriagados por aquela luz que dava à lua o brilho dourado típico do sol nascente. Era o nascer da noite! Parecia que em algum momento os planetas, assim como o céu e o mar, se tornavam um só, e a cor do sol passava pela luz da lua e nos iluminava ali na terra, nos tornando unos com o universo.

A aula dos Maha Bhutas, dos grandes elementos (terra, água, fogo,ar e espaço) foi um presente da mãe natureza, que os contém e os domina, e só coube à professora conduzir os alunos a se deixarem levar por essas forças, sentindo-as e incorporando-as na forma dos asanas e das respirações. O grande aprendizado foi reconhecer que “é dando que se recebe” e a oferenda da prática nos deu um momento de aprendizado inarrável.
Quando o universo conspira a favor, e nós não atrapalhamos, a vida acontece e flui, nos surpreende e nos faz felizes.

Jussara Rodrigues é paulistana, jornalista desde 1978 e instrutora de Yoga de corpo e alma desde 2003, quando se formou no Aruna Yoga em Hatha e PowerYoga. Trabalha eventualmente como assessora de imprensa e em reportagens que tenham relação com qualidade de vida e desenvolvimento do ser humano de forma holística.  Adora praticar Yoga com diversos professores e conhecer estilos diferentes, no Brasil e em viagens pelo mundo. Faz parte do conselho-diretor da Aliança do Yoga desde sua criação. Por sete anos, deu aula em grandes academias de São Paulo e atualmente se dedica a alunos particulares e pequenos grupos em seu estúdio Kedhara Yoga. Organiza retiros anuais de Yoga em fazendas nas cidades paulistas de Cunha e Bragança Paulista.


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