Por Tales Nunes
Publicado na edição 24 dos Cadernos de Yoga
O Yoga é muito mais do que uma prática corporal, é um estilo de vida. E, como um estilo de vida, abarca não apenas o âmbito individual, mas o coletivo. Um indivíduo, que tenha um comprometimento com uma vida de Yoga, tem influência nas pessoas ao seu redor e no ambiente em que está inserido. Vejamos então como a prática de Yoga está vinculada a uma atitude ecologicamente ética e a uma aproximação da natureza.
O Yoga propõe uma conduta ética que é balizada por valores que chamamos de yamas. Entre estes, estão a não-violência e o desapego. Existem outros valores yogis, mas a incorporação de apenas esses dois no nosso dia a dia é em si uma postura revolucionária, de transformação ambiental coletiva.
Compreender o que é desapego e incorporar esse valor nos mostra que podemos levar uma vida muito mais simples do que levamos. Ajuda-nos a ver os bens materiais de maneira mais objetiva, colocando o valor de uso acima do fetiche. E isso faz com que tenhamos a lucidez para consumirmos menos, o que significa poupar a natureza e poluir menos. Por sua vez, viver a não-violência é fundamental para que preservemos e tentemos evitar causar dano a qualquer tipo de manifestação de vida.
E como ferramenta de transformação, o Yoga nos oferece, também, uma ampla gama de práticas corporais. A partir da consciência do nosso corpo, da nossa respiração, do espaço que ocupamos no mundo, o Yoga ajuda a nos conectar com os ritmos e as forças da natureza. Além disso, por meio da meditação e do questionamento, o Yoga nos coloca numa postura de reflexão sobre qual é o nosso papel individual e social na vida. São muitos os relatos de praticantes de Yoga que mudaram completamente o seu estilo de vida, simplificando-o.
São frequentes os casos de pessoas que pararam de comer carne, outras que largaram seus trabalhos, pois descobriram que estes não faziam mais sentido em suas vidas (muitas vezes por serem trabalhos eticamente questionáveis) ou mesmo que saíram da cidade e foram morar junto à natureza. Há diversas histórias também de yogis que permaneceram nas cidades, mas engajaram-se em trabalhos sociais ou ambientais.
Em Curitiba, temos um grupo de yogis engajados na campanha a favor do uso da bicicleta e do movimento "Jardinagem Libertária", em prol de uma ocupação mais humana dos espaços públicos urbanos. Estas são pessoas que fazem a diferença e não esperam pelo poder público para realizar as mudanças que o nosso planeta pede hoje. A transformação que precisamos realizar é muito mais urgente do que a aparelhagem estatal consegue efetivar. E é justamente nesse ponto que entra o Yoga, tocando as pessoas e mobilizando-as a mudar, a fazer diferente, a fazer mais consciente.
Hoje a causa ambiental está em cena. Empresas que poluem, exploram e degradam o meio ambiente apresentam uma imagem de responsabilidade social e ambiental. Outras tantas usam esse filão para vender mais dos seus produtos. O que é um paradoxo, pois quanto mais consumimos, mais degradamos. Ou seja, está na moda ser "ecológico" e nós sabemos exatamente o que fazer, coletivamente e individualmente, para minimizar os danos que estamos causando no nosso planeta. Porém, parece haver um fosso enorme entre a teoria e a prática. Esquecemos que as grandes transformações são feitas a partir de pequenos atos cotidianos. E assim seguimos querendo mudar o mundo, com o discurso mudado, totalmente consciente, porém sem querer abrir mão de muitos dos nossos confortos.
Vejo o Yoga, nesse sentido, como um educador, um disciplinador. Um disciplinador do nosso corpo, ensinando-nos a nos alimentarmos melhor e a consumirmos alimentos de boa procedência (que agridam o mínimo o meio ambiente e que sejam saudáveis ao nosso corpo). Um disciplinador da nossa mente, refreando os nossos desejos, ensinando-nos que consumir não nos faz mais felizes, como insistem em nos inculcar as propagandas. Acredito, portanto, que o Yoga pode promover a ponte entre a teoria e a prática, justamente pela disciplina física, mental e emocional que promove.
Uma das razões do nosso planeta estar na situação de degradação atual é o nosso antropocentrismo, a nossa ideia equivocada de que podemos controlar a natureza. Julgamo-nos como uma espécie superior às demais e olhamos a natureza como "recurso", que está aí para nos servir e ser usado por nós para suprir os nossos desejos que, vale ressaltar, não são necessidades, são luxos. E, por causa disso, os espaços naturais foram reduzidos. E antes o que nos englobava, florestas, vegetação natural, foi por nós englobado, cercado, demarcado, restringido.
A nossa ciência entende e manipula aspectos isolados da natureza. O todo, a compreensão global, o encadeamento de causas e consequências mais distantes e a longo prazo, nos é, na maior parte dos casos, desconhecido, ou no máximo especulado. Compreendendo isso, Goethe disse: "A natureza reservou para si tanta liberdade que não estamos em condições de competir com ela em toda a sua extensão ou de acossá-la com o nosso saber e nossa ciência".
A filosofia yogi traz consigo essa consciência. Que é a consciência de unidade entre todas as manifestações de vida, entre nós e a natureza. E, a partir disso, não comer carne não nasce de uma atitude de ativismo ambiental – apesar de hoje haver argumentos de preservação ambiental suficientes para pararmos de comer carne –, mas de uma atitude de reverência a todas as manifestações de vida, de respeito à natureza.
E, mesmo sendo vegetarianos, estamos às avessas com o que escolhemos para nos alimentar. Quando moramos em cidades e não produzimos o nosso próprio alimento, perdemos a consciência sobre a cadeia alimentar. Os alimentos chegam às nossas mãos praticamente prontos. Assim, perdemos também a consciência sobre todo o processo de produção do alimento. É isso que faz com que a criancinha que vive na cidade se sinta maravilhada ao descobrir que o ovo vem da galinha. Ou o que faz com que ela ignore que a carne que ela come vem do mesmo bichinho que ela vê nos desenhos animados da televisão. Esses são exemplos grotescos, mas o fato é que hoje é difícil monitorar a forma como é produzido o que comemos. Especialmente no nosso país, onde não podemos confiar nos órgãos públicos reguladores que deveriam garantir a qualidade do que é produzido. Cabe a nós buscar, vegetarianos ou não, pesquisar e procurar consumir alimentos frescos, de preferência não industrializados e de pequenos produtores locais, para podermos saber a origem do que nós consumimos.
Consumo consciente não se restringe aos alimentos, inclui muita atenção diária e reflexão sobre o que realmente necessitamos, o que é superficial e o que é necessário. Precisamos ter claro o valor que os objetos realmente têm para nós. Como indivíduos, cidadãos e yogis temos esse comprometimento com a coletividade e com o meio ambiente. E se agirmos (consumirmos) conscientes e pensando não só em nós, mas no todo, já estamos fazendo muito. Consumir consciente é uma grande força de reivindicação que nós temos e o Yoga pode ser uma importante ferramenta que nos mantém alertas, despertos, com o pensamento voltado para nós e para o Todo.
Desde 2008 Tales edita os Cadernos de Yoga e ministra cursos de Formação em Florianópolis (UFSC), Fortaleza, Goiânia e Aracaju. É diretor da Aliança do Yoga e vice-presidende do Incomun - Instituto Comunitário de Desenvolvimento Sustentável. Atualmente dedica-se ao estudo de Vedanta com a prof Gloria Arieira.
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